Fórum Afro-brasileiro trouxe ao Femupe pesquisadores de universidades de Moçambique
Entre os convidados, Raul Balate, que defendeu: “(...)Se não encontramos nenhum povo sem língua, também podemos dizer que não há povo sem música”
Sandra Peixoto - jornalista / Fotos Allerson Jesus
24 de outubro de 2023
A ancestralidade e a musicalidade africanas deram ritmo ao 2º Fórum Afro-brasileiro Musical do Velho Chico: Africanidades entre o Atlântico durante a programação do último dia do Festival de Música de Penedo (Femupe), sábado (21), no Teatro 7 de Setembro. Realizado de forma híbrida, o fórum reuniu pesquisadores de instituições de ensino de Moçambique.
Mediado pelo professor Danilo Luiz Marques, do Instituto de Ciências Humanas Comunicação e Arte (Ichca) e coordenador-geral do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o debate contou com as participações de Sónia André e Raul Balarte Júnior, da Universidade Pedagógica de Maputo; Pedro Júlio Sitoe, Delisa Angelina Chirindza, Tiago Chingore, Vitor Chibanga e Joaquim Borges, das Universidades Licungo e Eduardo Mondlane.
Para Raul Balate, doutorando em Linguística, das contribuições trazidas por Moçambique ao Festival destacam-se as ditas folclóricas ou tradicionais. “É como uma marca muito forte de identidade linguística, tendo em conta que Moçambique é um país multilíngue que valoriza as suas línguas nacionais. A música sempre desempenhou um papel importante, mesmo no período em que havia um movimento para se calarem as vozes das pessoas que falam as línguas nativas. Mas através da música foi possível preservar as línguas”, analisou.
Esse processo se deu no período da dominação colonial portuguesa, a qual durou, em média, 500 anos, com Moçambique tornando-se independente somente 1975. Agora, o país soma esforços na revalorização de suas línguas e músicas. O pesquisador faz um paralelo entre estas duas formas de expressão, observando que a língua serve, em um primeiro momento, para a comunicação entre as pessoas e, em um segundo, atende a um nível de diversão e de desabafo das angústias. Já a música pode ser usada como uma forma de reivindicação de direitos ou como forma de elevação de heranças e recordação das raízes, por exemplo.
“E então, do ponto de vista daquilo que é a universalidade, nós não encontramos nenhum povo sem língua. Esse é um ponto. E se não encontramos nenhum povo sem língua, também podemos dizer que não há povo sem música. Não existe isso”, reforçou o linguista, acrescentando que a interação ocorrida com a massificação da presença escrava modificou aquilo que era herança cultural brasileira.
A ancestralidade vista como sons que guiam os africanos foi apresentada pela pesquisadora Sónia André. “Esse som que vibra, esse som que nos conduz, esse som que nos emana e que vai nos unindo com tudo aquilo que é material e ancestral. Para nós, os nossos mortos não estão mortos, porque os nossos mortos estão aqui”, afirmou, ao observar que naturalidade dá continuidade ao conhecimento musical e da própria vida.
O retorno à Penedo trouxe boas lembranças a ela, pois, juntamente com o coordenador-geral do Festival, Marcos Moreira, realizou na cidade o primeiro Seminário de Artes Musicais Africanas. Além disso, em 2013, no Teatro 7 de Setembro, o documentário “Mwany” (2013) protagonizado por ela e sua filha, Thandy, foi eleito o melhor filme da noite.
Produzido por Nivaldo Vasconcelos, o documentário está em exibição no Afroflix. “É uma alegria imensa estar aqui onde eu me encontro e reencontro esse chão que me faz sentir o sangue dos meus ancestrais. Conversava com o Tiago [Chingore] que tem muita pedra dos nossos, muito sangue dos nossos que ergueram esses palacetes. Mas e o chão? É uma energia, uma sensação forte como quando nós visitamos as igrejas onde os nossos tinham que atravessar. São os nossos ancestrais que atravessaram o Atlântico e de alguma forma resistiram”, falou.
Saiba mais sobre o que aconteceu em todos os dias da 14ª edição do Festival de Música de Penedo em nosso sitee em nossas redes @festival_musica_Penedo e @cemupemusicologia.